quinta-feira, 26 de junho de 2008

Pasárgada de Bandeira X bandeira de Pasárgada

“Vou-me embora para pasárgada”.

Este poema de Manoel Bandeira[1] tem se tornado numa espécie de chavão do senso comum, em referência ao desejo do ser humano que, inconformado com os padrões do mundo em que vive, manifesta o desejo de uma transformação abrupta como, por exemplo, mudar-se para lugares totalmente diferentes de sua desgastante rotina. Pasárgada[2] soa como refúgio fictício e mitológico, no qual cidadãos estariam livres de obrigações impostas, de políticos desonestos, de ladrões e criminosos e onde se poderiam viver certas extravagâncias e busca de prazeres sexuais de forma irresponsável. E tudo isso por um único motivo: o de ser lá, amigo do rei!

Por que o poder seduz tanto o ser humano? O poder de mandar e desmandar, de prender ou libertar, de proporcionar prazer ou infligir o sofrer, de matar ou deixar viver... Por quê?

Para entender melhor este assunto é importante a leitura de um artigo do professor Raymundo de Lima, da UEM, que, para que justiça seja feita, tomei a liberdade de transcrever na íntegra. Ei-lo:

O poder muda a pessoa

O poder torna as pessoas estúpidas, e, muito poder, torna-as estupidíssimas. (R. Kurz)
O psicanalista J. Lacan [1] observou que a partir do momento em que alguém se vê "rei", ele muda sua personalidade. Um cidadão qualquer quando sobe ao poder [2], altera seu psiquismo. Seu olhar sobre os outros será diferente; admita ou não ele olhará "de cima" os seus "governados", os "comandados", os "coordenados", enfim, os demais.

Estar no poder, diz Lacan, "dá um sentido interiormente diferente às suas paixões, aos seus desígnios, à sua estupidez mesmo". Pelo simples fato de agora ser "rei", tudo deverá girar em função do que representa a realeza. Também os "comandados" são levados pelas circunstâncias a vê-lo como o "rei do pedaço".

La Boétie [3] parecia indignado em perceber o quanto o lugar simbólico de poder faz o populacho se oferecer a certa "servidão voluntária". Bourdieu chama-nos atenção para a força que o símbolo exerce sobre os indivíduos e grupos. Antes de ocupá-lo, o poder atrai e fascina; depois de ocupado tende a colar a alguns como se lhes fossem eterno. Aí está a diferença entre um Fidel Castro e um Nelson Mandela. O primeiro e a maioria dos ditadores pretendem se eternizar no poder, o segundo, mais sábio, toma-o como transitório, evitando ser possuído pelo próprio. ("Possuído", sim, pois o poder tem algo de diabólico, que tenta, que corrompe, etc).

Uma vez no poder, o sujeito precisará de personas (máscaras) e molduras de sobrevivência. A persona serve para enganar a si e aos outros. A moldura é algo necessário para delimitar simbolicamente a ação dele enquanto representante do poder. A ausência de moldura ou o seu mau uso fará irromper a força pulsional do sujeito que anseia por mais e mais poder, podendo vir a se tornar uma patologia psíquica. A história coleciona exemplos: Hitler, Stalin, Mobutu, Collor de Melo, Pol Pot, Idi Amim, etc.

No filme As loucuras do rei George III [4] da Inglaterra, somos levados a perceber duas coisas: o quanto que as pessoas recusavam a idéia de um rei que perdeu a razão em função de uma doença e, que fazer para impedir alguém que representa o poder máximo de uma nação, devido a suas loucuras?

O poder faz fronteira com a loucura. Não é sem motivo que muitos loucos se julgam Napoleão ou o Rei Luis XV. Parece que há algo de "loucura narcísica" nas pessoas que anseiam chegar ao poder político (governante de uma cidade, estado ou país, ministro, membro do secretariado local), ou ao poder de uma instituição, empresa, departamento, pequeno setor de uma organização qualquer ou grupo qualquer. O narcisismo de quem ocupa o poder, revela-se na auto-admiração (o amor a si e aos seus feitos), na recusa em aceitar o que vem dos outros e no gozo que ele extrai do poder, que, levado ao extremo poderia revelar loucura. R. Kurz, é direto ao declarar que "o poder torna as pessoas estúpidas, e, muito poder, torna-as estupidíssimas".

O sociólogo M. Tragtenberg certa vez observou como muitos intelectuais discursam uma preocupação pelo "social", mas estão mesmo preocupados com a sua "razão do poder". Há uma espécie de "gozo louco" pelo poder, que faz subir a cabeça dos que estão jogando para ganhá-lo um dia.

Do ponto de vista psicológico, observa-se que o poder faz o ocupante perder a própria identidade pessoal e assumir outra, contornada pela "fôrma" do próprio poder. Os cargos executivos (presidente, governador, prefeito, diretor, reitor, etc), têm uma fôrma própria, um lugar que marca certa diferença em quem a ocupa em relação aos cargos de segundo escalão (ministros, secretários disso e daquilo, chefes de gabinetes, assessores, etc). As “pequenas autoridades" dos escalões inferiores - mas com algum poder - costumam ter atitudes mais protofascistas que as grandes. São mais propensas a "vender sua alma ao diabo" que as grandes para estar no poder.

O psicólogo Ricardo Vieira, da UERJ, de quem me inspirei para continuar seu artigo, levanta os quatro primeiros indicadores de mudanças que ocorrem com as pessoas que chegam ao poder:

1) no modo de vestir: o terno, a gravata, o blazer e o tailleur que, antes eram utilizados em circunstâncias especiais, passam a ser usados cotidianamente, mesmo quando não é necessário utilizá-los. Alguns demonstram certo constrangimento em trocar a surrada camiseta e passar a usar um blazer ou uma camisa de linho, pelo menos nas ocasiões especiais. Se antes usava um cabelo comprido, despenteado, logo é orientado a cortá-lo, penteá-lo, dar um trato. Na última eleição para prefeito de Maringá, um candidato foi orientado pelo seu marketeiro para mudar o cabelo enrolado por um penteado de brilhantina. Perdeu a eleição.

2) mudam as relações pessoais: os antigos companheiros poderão ser substituídos por novos, que o leva a sentir-se menos ameaçado. O sentimento persecutório de "ser mal visto", precisa ser evitado a qualquer preço por quem ocupa o poder.

3) altera o tratamento com o outro, que se torna autoritário com seus subordinados; gritos e ameaças passam a ser seu estilo. Certa vez, perguntaram a Maquiavel se era melhor ser amado que temido? O autor de O príncipe respondeu que "os dois, mas, se houver necessidade de escolha, é melhor ser temido do que amado".

4) mudam os antigos apoios e alianças. Aqueles que o apoiaram chegar ao poder, se transformam em arquivos vivos dos seus defeitos. O poder leva a desidentificação com os antigos colegas de profissão. É o caso do presidente FHC e do seu Ministro da Educação Paulo Renato Souza, depois de executivos, ambos não se vêem mais professores.

5) Resistência em fazer autocrítica. Antes, vivia criticando tudo que era governo ou tudo que constituía como efeito de governo. Mas, logo que passa a ocupar o poder, revela "sua outra face", não suportando a mínima crítica. O poder os torna cegos e surdos a crítica. Uma pesquisa de Pedro Demo, da Universidade de Brasília, constata que os profissionais de academias apreciam criticar a tudo e a todos, mas são pouco eficazes na crítica para consigo mesmos. Enquanto só teorizavam, nada resolviam, mas quando passam a ocupar um cargo que exige ação prática, terá que testar a teoria; agora é que "a prática se torna o critério da verdade" [5] Por falta de referencial e por excesso de idealismo, é freqüente ocorrerem bobagens e repetições dos antigos adversários, tais como: fazer aumentos abusivos de impostos, aplicar multas injustas, discursos cínicos para justificar um ato imoral de abuso de poder, etc. Há um provérbio oriental que diz: "quem vence dragões, também vira dragão".

Os sujeitos, quando no poder, protegem-se da crítica reforçando pactos de auto-engano com seus colegas de partido. Reforçam a crença de que representam o Bem contra o Mal, recusam escutar o outro que lhe faz crítica e que poderia norteá-lo para corrigir seus erros e ajudar a superar suas contradições. Se entrincheirarem no grupo narcísico, o discurso político tornar-se-á dogmático, duro, tapado, e podemos até prever qual será o seu futuro se tomar o caminho de também eliminar os divergentes internos e fazer mais ações de governo contra o povo, "em nome do povo".

Infelizmente assim é o poder: seduz, corrompe, decepciona e faz ponto cego e surdo nos seus ocupantes temporários.
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[
1] Jacques Lacan, psicanalista francês, que propôs o retorno à leitura da obra de S. Freud. Cf.: Seminário 1. Ed. Zahar, 1979, p. 318.
[2] Max Weber define que o “poder é toda chance, seja ela qual for de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contar a relutância dos outros". Para M. Foucault, nas duas obras, Vigiar e Punir e Microfísica do poder, faz uma genealogia do poder. Constata que o poder se exerce na sociedade não apenas através do Estado e das autoridades formalmente constituídas, mas de maneiras as mais diversas, em uma multiplicidade de sentidos, em níveis distintos e variados, muitas vezes sem nos darmos conta disso.
[3] Etienne La Boétie, filósofo francês, autor do Discurso da Servidão Voluntária. Cf.: Brasiliense, 1982.
[4] O rei George III reinou na Inglaterra no séc. 18 Ficou louco devido a uma doença, a porfiria, desconhecida na época.
[5] Dito por L. Feuerbach

E agora, amigo leitor, depois desta leitura já se tem pelo menos uma resposta que você pode apresentar à pergunta que no início fiz: Por que o poder seduz tanto as pessoas?

Seja qual for a sua resposta, certamente se coadunará com a razão pura e simples de que tais pessoas desconsideram a efemeridade do poder, ainda que, como Fidel Castro o tenham retido por dezenas de anos. O poder férreo do tempo que a tudo corrói, enfraquece e elimina neste mundo. Um campeão o é até que outro lhe tome o lugar; uma propriedade pertence a alguém até que lhe seja tomada pelo ancinho da vida ou da morte. Onde estão os faraós do Egito ou os césares de Roma? Onde estão Alexandre Magno, Napoleão Bonaparte, Hitler, Saddam Hussein ou os senhores de escravos?

O ditado atribuído ao Lord Acton é uma verdade contundente: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Mas de que adianta o poder pelo poder? Quem não se lembra do então Senador Antônio Carlos Magalhães, sagaz político baiano, cujo apelido era Toninho malvadeza nos embates pelo poder e prestígio, quando poderia ter aproveitado a fortuna que amealhou, passeado com os netinhos nas lindas fazendas que possuía? Mas o poder lhe era mais importante e por ele se bateu e debateu-se até os últimos instantes de sua controvertida história.

Não desejo um lugar como a pasárgada de Bandeira (o poeta) onde se é amigo do rei. Antes, desejo a bandeira (princípio) de pasárgada onde vejo em Jesus O amigo! Essa pasárgada de cuja bandeira falo não é um lugar, sinônimo de busca dos prazeres irresponsáveis. É, isso sim, o lugar onde habita justiça, onde o tempo não passa porque é eterno. Essa pasárgada não depende dos favores do poder humano. Ela é o céu... Portanto, não vejo a hora de dizer: “Vou-me embora para outra pasárgada (espiritual) lá, o Rei é meu amigo!”


[1] Manoel Carneiro de Souza Bandeira, poeta pernambucano (1886 -1968).
[2] Pasárgada - cidade da antiga Pérsia (atual Irã) é atualmente um sítio arqueológico na província de Fars, a 87 km a nordeste de Persépolis, uma das capitais da Pérsia antiga que, em função da vastidão do seu império tinha várias capitais. É hoje um Patrimônio Mundial da Unesco.

Um comentário:

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