quinta-feira, 16 de agosto de 2007

O EGO E O IGOR


Belo Horizonte estava quente naquela tarde de dezembro. Havia um grande movimento no hipercentro, pois o natal seria dentro de sete dias e muitos já corriam de um lado para o outro procurando ultimar os preparativos para a festa.

Assentado no banco do ponto de ônibus, eu aguardava o demorado aparecimento do ônibus que servia meu bairro, e confesso, um tanto quanto aborrecido porque pela terceira vez havia ido ao DETRAN e ainda teria que voltar uma quarta. (Por que será que as repartições públicas não facilitam a vida da gente, fornecendo as informações e passos do processo, para evitar perda de tempo com a burocracia?

Sentindo uma justa revolta íntima, percebi a aproximação de uma senhora de meia idade que portava um crachá de servidora pública e conduzia um garoto trajando um uniforme de creche. Enquanto respondia rebeldemente e esperneava, o menino recebia promessas de castigo e repreensão, que pelo tom de voz da senhora, certamente não seriam cumpridas. “Mais um terrível garoto consegue a fina arte de dominar a situação” - pensei eu - enquanto me sentia quase que empurrado por ele, que procurava acomodar-se na ponta do banco.

A mulher dirigiu-se a mim, pedindo desculpas pelo comportamento dele, a quem chamou de Igor (não parece um nome apropriado para um garoto rebelde?). Perguntei-lhe se ele era seu neto, e ela meio embaraçada, respondeu que era seu filho, mas não estranhava, porque todo mundo lhe fazia a mesma pergunta.

Um tanto quanto constrangido expliquei-lhe que não tinha a intenção de insinuar que Igor era muito novo para ser seu filho. Aproveitei a oportunidade para fazer-lhe “discretamente” algumas perguntas sobre o garoto. Igor tinha cinco anos (e já mandando!), tinha crises de rebeldia, e segundo ela, havia herdado o gênio do pai dele.

Tentei puxar conversa com Igor e como era de se esperar ele respondeu-me aos gritos. Comecei a tamborilar os dedos sobre um livro que estava em minhas mãos e isso lhe chamou a atenção. Fiquei quieto. Depois, abri meu porta moedas e comecei a contá-las em minhas mãos. Então ele olhou desconfiado para mim e disse: eu tenho mais dinheiro que você!

Perguntei-lhe quanto ele tinha, o que ele gostava de comprar e a partir daí Igor esboçou um ar de satisfação, sorriu e começou a contar-me coisas a seu respeito. Por coincidência estavam esperando o mesmo ônibus que eu, assim, pudemos conversar bastante. Ao passar pela roleta, Igor disse-me: - “me espere assentado ali” - apontando dois lugares vazios. Ficou claro que ele queria conversar mais e assim foi em quase todo o trajeto. Parecíamos dois amigos... Eu havia ganhado a sua confiança e percebi que ele precisava de pessoas que falassem a sua linguagem. Tendo u´a mãe ausente boa parte do tempo, com uma diferença de idade bem grande, sem irmãos e um pai que não lhe era exemplo de calma Igor parecia ter carência de sociabilização.

Igor não é diferente de nós. Todos temos a necessidade de ser amados, ser compreendidos, ser ouvidos. Muitas vezes falamos e não somos ouvidos e outras tantas nos falam e não ouvimos. Nossa rebeldia emerge de várias formas: no silêncio premeditado ou nos gritos não planejados. Parece que o mundo em que vivemos, onde predomina a tecnologia da informação, tem sido também o mundo onde predomina a solidão e a exclusão. Paga-se um valor considerável para que um psicólogo, psicanalista ou outro profissional apenas ouça. Muitos partilham seus segredos com estranhos, tais como taxistas ou pessoas na fila do caixa de um banco. É o ego buscando a afirmação, mas, não envolvimento. Afinal somos humanos, embora nossa humanidade nos leve muitas vezes ao contraditório. São nossas diferenças e nossas semelhanças que nos fazem absolutamente humanos, como afirmou Arendt:

“Ao mesmo tempo em que fora de nós há um infinito não há outro dentro de nós? Esses dois infinitos (que horroroso plural!) não se sobrepõem um ao outro? Não é o segundo, por assim dizer, subjacente ao primeiro? Não é o seu espelho, o seu reflexo, o seu eco, um abismo concêntrico a outro abismo? Este segundo infinito não é também inteligente? Não pensa? Não ama? Não tem vontade? Se os dois infinitos são inteligentes, cada um deles tem um princípio volante, há um eu no infinito de cima, do mesmo modo que o há no infinito de baixo. O eu de baixo é a alma; o eu de cima é Deus.” (Arendt, Hanna. A Condição Humana. Rio: Forense Universitária, 2001.)

Tal guerra só pode ser vencida por um poder sobrenatural descrito em Romanos 7:23-25:

“Assim, vocês podem ver como isto é: minha nova vida manda-me fazer o que é correto, porém a velha natureza que ainda está dentro de mim gosta de pecar. Que situação terrível, esta em que eu estou! Quem é que me livrará da minha escravidão a essa mortífera natureza interior? Mas, graças a Deus! Isso foi feito por Jesus Cristo, nosso Senhor. Ele me libertou. ''(O Mais Importante é o Amor- O Novo Testamento Vivo. São Paulo: Mundo Cristão 1988 p. 177.)

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